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18.10.08

Assobios























Quando via que a coisa apertava, fingia que não era com ele. Assobiava, disfarçando. Temia perder o emprego. Velho demais para conseguir outro. Inadequado, ouvira certa vez do capataz, e matutou no sentido da palavra. Só não entendia porque nos últimos tempos não mais o deixavam apenas anotar o número das placas dos caminhões na prancheta, como fizera no início. Era bem melhor do que ajudar a carregar as caixas pesadas. Com tanto rapaz mais forte. Mas assobiava, assim mesmo, fingindo que eram leves os fardos.

Insuficiente. De novo matutou e assobiou. Por que as caixas ficavam mais pesadas a cada dia? Talvez pelo peso dos olhos do capataz, sempre atento aos seus movimentos, mas disso ele não tinha certeza. Fardos que lhe curvavam os ombros doloridos e cansados. Mas assobiava ainda. Incompatível. De novo ficou sem entender a palavra. Por que usam palavras tão estranhas? No fim da tarde achava ter entendido. De novo sem trabalho, e naquela idade. Saiu pela porta assobiando, fingindo que não era com ele.


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Publicado em "Trilogia Paciente"
Casa do Novo Autor Editora (SP - 2000)

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