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15.5.09

Avós















I – Tufi *
* Teophilo Salun, poliglota de mais de seis idiomas.

Meu avô poliglota morreu faz tempo! Ensinou-me palavrão em tudo quanto era língua que ele sabia. Mas também reverenciou boas coisas em todas essas línguas que dominava.

Amou em todos os seus idiomas, fez-me um apaixonado pela cozinha árabe e por Seleções Reader's Digest. Rudimentou meu italiano e meu francês. Inglês não, mas é só porque naquele tempo eu achava que era uma porcaria...

Fez com que eu ficasse doidinho por um sítio de veraneio, que tento achar até hoje, n’algum rincão de meu mundo atual, tão diferente. Oh, meu Deus do Céu, como eu quero esse lugar... Como quero “aquele” lugar de novo, com tudo o que ele tinha de terra e de ousadia, de ser e de sonhar... como eu queria esse lugar, meu Deus!

Mas meu avô Tufi tinha que ir embora e me deixou com algo a lamentar. Meu avô me decepcionou em algumas coisas, pois morreu antes que eu o entendesse, morreu antes que eu entendesse árabe, essa língua dos deuses, com seus mistérios e segredos... Morreu antes que eu entendesse muitas coisas que eu poderia usar no meu mundo. Meu avô Tufi morreu antes da hora, essa é a verdade.

Levou consigo toda a sabedoria que ele tinha, de falar tantas línguas, de ler tantos livros, de conhecer tanta gente importante, de ter e fazer tantas amizades e saber fazer doce de carambola, de abacaxi e de manga, de tamarindo e de jabuticaba... Morreu com todos os seus doces e segredos, esse meu avô. Morreu sem me dizer quem estava com ele naquela fotografia na Pirâmide do Egito.

Fez tudo de propósito! Morreu só para me deixar com vontade de amar tanto ao sítio que eu só vivi de moleque e depois se acabou... Meu avô Tufi me faz correr atrás dessas coisas que nem sei mais se são possíveis como foram um dia, num dia claro de minha infância, do vô Tufi lendo Seleções na varanda do sítio, em inglês, como se nada houvesse...

II - Elizabeth
Minha avó italianíssima era brava! Ô, meu Deus, como era brava essa minha avó! Morreu também... E eu distante, bem menino, longe dela. Sei que ela me amava, de seu jeito, mas me amava. Não sabia nada de árabe ou espanhol, muito menos de francês. Inglês, sei que detestava. Mas sabia fazer uma polenta....

Oh, aroma que me invade agora, dessa polenta quentinha de minha avó... Só espero que a esclerose não tenha lhe tirado esse jeito de fazer polenta. Quando se vai desse mundo, tudo muda tanto, que nem sei...

III - André
Esse eu nunca conheci. Morreu antes, muito antes de eu nascer. Talvez seja meu avô mais distante, mas lembro dele... Lembro pelo que dizia o meu pai, do seu que já se foi.

Dizia que “muntava cavalo”, “barria o terrêro”... Dizia também que era “terco” como só um espanhol pode ser. Nem sei direito como é que morreu esse meu vô André, pai de meu pai João, que era outro turrão dessa vida...

Sei lá! Mas sei que eu lembro dele, aqui no meu braço, sempre que sinto uma veia saltar mais que as outras. Aí eu digo: essa é do vô André... Esta outra é do meu pai... Que Deus os tenha...

IV - Soledad
Como puedo olvidarte, abuelita? Pois não foi você quem me ensinou a vida? Lembra? Era eu numa sacola, a feira e você, minha avó, me carregando dentro dela!

E era também aquele poço que você tinha bem debaixo da garganta, poço profundo, de tantas mágoas que você nunca me disse, de tantos anseios e desgostos que você nunca ensaiou dizer pra ninguém. E levou consigo. 

Para marcar seu nome, para deixar saudades. Você se foi numa tardinha mansa, dessas de passarinho cantando. E me deixou aqui, órfão de todos os meus avós. Ô, vó... eu gostaria que teu nome não fosse exatamente assim, tão somente solidão.

***
Publicado na V Antologia Paulista (2005)
Rumo Editorial - São Paulo - 2005


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