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9.6.13

Realejo do periquito azul
















Hoje vi um homem tocando realejo na porta de uma churrascaria. Nada de mais, exceto pela raridade. Difícil ver realejos hoje em dia. Só me chamou a atenção, o fato de ser o periquito azul e não verde como todo periquito de realejo. Tem que ser verde! Mas esse não, e parece que tinha consciência disso, pois se engalanava todo no pequeno poleiro. Divergia, e muito, do homem que manejava o instrumento sonoro. O tal dono do realejo tinha uma febril e corcunda aparência. Espiava pela porta da churrascaria enquanto virava com vagar a manivela da engenhoca. Olhos baços e famintos.

Parou uma mocinha, e ficou olhando o periquito. Ele, acho que por ser azul, esticou ainda mais o pescoço e inclinou a cabecinha soberba para o lado, com desdém. A ladainha fanhosa e modorrenta do realejo, e um aroma de baby beff. O homem curvo e baço não tirava os olhos da porta. A mocinha quis tocar os dedos na ave, que incontinente se afastou. E a manivela girando, lentamente. Juntaram-se mais uns dois ou três espectadores e aí então a fanha musiquinha parou. Sem tirar os olhos da porta, o homem bateu com os dedos uma ou duas vezes na caixa com os bilhetinhos e o bico do periquito buscou um da cor azul. A moça sorriu, largo. Desdobrou, ansiosa. Mas logo trancou o sorriso aberto. Um mal prenúncio, quem sabe. Ainda olhando o papelucho, a moça entregou uma moeda. O homem guardou  no bolso e voltou a girar a manivela, olhando novamente para dentro da churrascaria. O periquito azul trincou no bico uma semente de girassol, embalado pela ladainha. Só isso.  

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Publicado no livro "Trilogia Paciente"
Editora Casa do Novo Autor - São Paulo - 2000
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