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9.10.13

Viver é fazer opções















Desde pequeno fui induzido a pensar na vida de forma bastante intuitiva, senão, quase instintiva. Meus pais, que pouca ou quase nenhuma instrução tiveram para poder me apresentar de forma mais didática o que é a vida, o fizeram pelo método que eles próprios haviam aprendido dela. Talvez pelos mesmos métodos que utilizaram para garantir sua contribuição genética à humanidade: a intuição e o instinto, ao me concederem a vida.

Hoje, após mais de meio século de ter vindo ao mundo, pelo conhecimento inocente, mas extremamente sábio do instinto e da intuição de meus pais, me pego a refletir o que significa a vida que eles me deram e o que devo, afinal, fazer com ela. É claro que o tempo me fez conhecer muitas coisas que talvez meus pais jamais pensariam existir. É claro que os cenários que a vida me apresentou me possibilitaram ter contato com muita coisa que a meus pais seriam inconcebíveis, inimagináveis, despropositadas e, na maioria das vezes, ininteligíveis para dois simplórios semialfabetizados como eles foram. Saudosos, muito saudosos! Quanto eles me ensinaram...

Recordo-me que logo no início de minha vida, ali pelos meus oito anos, talvez pouco mais ou pouco menos, eu já me julgava um sábio em potencial. Certamente foi nessa época que achei que o conhecimento que meus pais intuitivamente tentavam me transmitir era uma verdadeira porcaria. Ao lidar com o mundo e seus múltiplos ambientes que foram se apresentando diante de mim a partir desse momento de irreverência e rebeldia, fui entendendo que eu poderia muito bem me livrar do jugo do ensinamento que me queriam dar João e Eunice. Afinal, eu já sabia ler e escrever meu nome, e eles, ainda não!

Foi uma pena, vejo hoje, não ter-lhes dado maior atenção em certas coisas que eles tentaram me ensinar desde sempre. Não sabiam, por exemplo, corrigir meus deveres de casa e isso me deixava constrangido. Naquela época eu não sabia exatamente o que era aquele nó na garganta e aquele aperto no peito quando a professora pedia para apresentar um trabalho com a opinião da mãe ou do pai, e o meu vinha só com um rabisco imitando uma assinatura. Hoje acho que era uma coisa boba: era só constrangimento. Vergonha não, pois eu tinha era um orgulho danado de meu pai e de minha mãe! Só porque não sabiam ler direito? Ora, ora... Eram meus heróis e nem fazia diferença que fossem semianalfabetos.

Com o tempo eu fui entendendo cada vez mais a “falta de ignorância” de meus pais. Eles eram sábios, sim senhor, no seu jeito de me fazer entender que não se deve fazer “certas coisas”; eram sábios, sim senhor, no seu jeito de me punir pelo que eu já fiz de errado, ou quando fiz as tais “certas coisas”. Eles tinham um código de ética instintivo e também um código moral intuitivo e sábio para equilibrar esses ensinamentos. E por estes códigos secretos e íntimos eles foram me conduzindo.

Uma necessidade
Muito antes de meus pais morrerem, fato, aliás, não tão distante, eu já havia traçado um rumo para a minha vida, tal era a minha convicção de que já sabia de tudo o que esta me reservava. Sem as regalias proporcionadas por uma condição econômica privilegiada em minha infância ou juventude, sem quaisquer incentivos familiares diante da condição socioeconômica de meus pais, parti para a luta.

Constituí família, tive filhos e conquistei muitas coisas. Outras ainda não. Sou feliz! Tenho uma família e muito do que nem sequer imaginava conseguir. Sinto falta de algumas coisas. Sinto falta de meus pais. Sinto falta da presença deles para continuarem a me ensinar os caminhos de hoje em dia.

Uma constataçãoComo sempre dizem, vivendo e aprendendo! Aprender é bom demais! Melhor que ganhar! Aprendendo se conquista, e conquistar, eu acho, é mais que ganhar. Conquistar é fincar uma bandeira de posse! È dominar!

Ao pesquisar algo sobre este tema que me propus a escrever, (coisa que jamais João e Eunice, meus pais, fariam com tal consciência) eu me deparei com uma frase atribuída ao ator Woody Allen, dita por um de seus personagens em algum de seus filmes que não sei precisar: “Nós somos a soma de nossas decisões”. Fiquei pensando no que essa frase contribuiria para o meu momento de aprendizado. Achei que seria oportuno salientar alguma coisa sobre a frase achada ao acaso. De minha reflexão destaquei algumas coisas que talvez possam ser apropriadas ao tema.

Dentre elas, entendi que o rumo de nossas vidas está intrinsecamente relacionado às nossas opções e decisões ao longo dela. Por exemplo: quando optei pela faculdade de jornalismo, em 1974, abdiquei da engenharia, medicina, direito, astronomia e dezenas de outras opções disponíveis naquela ocasião. No entanto, não excluí tais alternativas definitivamente, enquanto possibilidades de aprendizado e conhecimento. Apenas decidi por um caminho naquele momento que me pareceu mais oportuno ou interessante. Só que dessa escolha, por mais que fosse algo do momento, fui levado a elaborar cenários, possibilidades e alternativas de uma vida como jornalista, e não como engenheiro, médico, advogado, astrônomo, ou quantas mais carreiras “desprezei” naquele momento, em detrimento do jornalismo. Foi uma opção.

Somei a esta, a decisão de me casar. Poderia ter escolhido ficar solteiro e ser um bon-vivant, o que jamais me propiciaria conhecer e aprender coisas da “vida de casado”. Se assim fosse, não teria minhas amáveis filhas, minha vida regrada (eu acho), o aconchego de meu lar (tenho certeza). Quem sabe eu nem tivesse meu aquário cheio de segredos, nem os meus gatos cheios de mequetrefes, carinhos e frescuras para cuidar e fazer parte de minha vida.

E assim com tantas outras coisas. Uma coisa, a meu ver, quase sempre anula a outra: ser casado anula as possibilidades da vida de solteiro; ser honesto anula largamente a hipótese de não o ser; o mal anula o bem. E vice-versa. Quase sempre é assim. Descobri o mais importante: aprender e tomar decisões são coisas que devem ser feitas a todo o momento, desde o início, até o fim de nossa vida.

Por isso neste instante ocorreu de lembrar-me da sabedoria que meus pais, João e Eunice, sempre me transmitiram sem qualquer técnica ou filosofia, mas a todo o momento, desde o início da minha vida, e até o fim da vida deles. E mais uma vez, preciso enaltecê-los extremamente, e agradecer eternamente por toda sua inocente “ignorância”.

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Apresentado na XII Jornada Médico-Literária Paulista
26 a 29 de setembro de 2013 - BOTUCATU - SP
Publicado nos ANAIS do evento.

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