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10.11.13

Sobre o tempo
















Olhares
Quanto mais olho nos olhos do tempo para tentar entendê-lo, mais ele me encara severamente, confirmando que vai me devorar.

Rugas
As minhas ainda estão reticentes, mas as vejo insinuantes sempre que vou pentear os cabelos embranquecidos. Olho para algumas expressões enrugadas de outras pessoas que há bem pouco tempo tinham tanto vigor. Vislumbro algo de sofrimento, algo de complacência e muito, muito mesmo, de uma misteriosa sabedoria que ainda não descobri qual seja. Os olhos vão se tornando baços, os sorrisos vão se enfraquecendo pela flacidez que o tempo nos inflige. Isso tudo é um disfarce que a sabedoria usa para não se revelar tão facilmente. Eu acho. Ninguém vai galgar degraus rumo a essa sabedoria senão um de cada vez e cada qual a seu tempo, por mais que cada um de nós tente se adivinhar na hora de pentear os cabelos. Isso eu já aprendi.

Pecados
Para todos nós que nos julgamos tão santos e tão bons. Para todos nós que nos vemos tão melhores em atitudes e fazeres. Para todos nós que nos queremos tão superiores. Para todos nós que nos entendemos tão isentos de culpas. Para todos nós que egoisticamente nos ensimesmamos. Para todos nós que indiscriminadamente nos impomos. Para todos nós que sabidamente nos aproveitamos. Para todos nós haverá um pecado num momento qualquer. Desses tais capitais, mortais, veniais, sei lá... Sabidamente pecaremos durante nossa passagem pelo tempo de nossas vidas. Eternamente seremos tentados e nos entregaremos a esse desígnio que temos de ser simplesmente humanos.

Maturata
É uma pena que só começaremos a entender certas coisas desse eterno mistério que é a vida quase no apogeu das nossas. Não sei ainda a razão disso, mas cada dia mais me dou conta de que é bem assim que tudo acontece. A tal busca da verdade absoluta e da felicidade plena nos aflige e nos flagela durante todo o nosso percurso neste mundo. Somos confundidos na juventude, quando tudo flui vigorosamente, e afrontados na maturidade, quando de quase tudo já temos uma ideia muito mais bem formada, mas quase nenhum vigor para colocar em prática. Ou seja: quando finalmente achamos que já aprendemos como fazer certas coisas já não temos qualquer condição para tal. Que merda é essa?

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Publicado na "Antologia Paulista" 
Rumo Editorial - São Paulo - 2013
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