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2.2.13

Brevíssima história de um amor inesperado, com as cores da paixão, danças, vinho tinto e uns poucos lugares de não esquecer jamais.















Um equívoco
(...) No silêncio de algumas madrugadas os sentidos se embotavam por uma sonolência incontrolável. Teimosa e quase à deriva ela ia singrando a lentidão dos minutos, espreitando os horizontes de sua solidão. Um ponto de luz, na distância, como miragem. Aproximou-se. Não era quem pensava, mas algo a fez ficar. Encontrara companhia. Foi uma longa madrugada. Combinaram. E logo surgiu um encontro real. Breve. Houve apenas muita expectativa e um gosto doce. Só. Cresceu então um desejo incontrolável. Novamente combinaram. E foi ela quem ensinou. (...)

Beijo número 1 para quarteto de cordas
(...) Tem que pegar primeiro. Uma boa pegada. Aí, olho no olho, que é para crescer a vontade. Deixe a aproximação ser natural, suave... Sem pressa nenhuma. A pegada tem que ter sido do jeito certo. Sabe como? Suave, com delicadeza. Nada de pressa. Deixe o encaixe ir se projetando por si. Então insinue um gesto, mas não o complete: refugue. Depois repita essa insinuação, mas permita sentir o doce aroma do beijo. Não interrompa caso os lábios se toquem, mas faça-o com suavidade e deleite. Permita apenas um roçar bem leve. As línguas podem se tocar nessa hora, mas sempre com vagar e delicadeza. Então deixe que os olhos, que antes se miravam vasculhando a alma um do outro, se cerrem vagarosamente. Permita apenas os perfumes e o tato. O contato e a busca dos lábios um do outro, das línguas que se enroscam e se permeiam. Então os corpos se ajustam e se encaixam perfeitamente. (...)

Depois daquele instante
(...) Mágico e febril, como se nunca antes tivesse existido tamanho enlevo. Volúpia, furor, tempestade. Não era para ter sido assim tão repentino e tão intenso. Mas foi. (...)

Red
(...) O dia para ser vermelho precisa apenas coincidir. Vibrante, intenso e marcante. Serve como divisor de mares, ou não. Serve para provar um morango ou sentir o aroma de uma cereja. Serve para pintar os lábios com um baton bem rouge. Serve para dançar um tango ou apenas perder-se no devaneio de uma melodia qualquer. Serve para viajar para Londres ou Milão. Ou então para não ir a lugar nenhum e apenas ficar esperando outra cor. Dias vermelhos não coincidem apenas pelo encarnado do tom, mas também pela sintonia. Quem sabe haja a púrpura do sol que talvez se ponha dessa cor.  Quem sabe haja um uísque com gelo no fim do dia, uma flor ou apenas um murmúrio dessa mesma cor. Mas talvez haja somente o prenúncio da lua cheia, tão viva e tão intensa e que nada tem a ver com vermelho. A lua é azul. (...)

Lareira
(...) E como não incandecer ainda mais ao crepitar da lareira? Dois cálices e o rubro vinho a embotar serenamente os sentidos. Delirante, suave e intensa aquela noite no chalé. Lá fora a lua e o sereno, silenciosos e indiferentes, pois já sabiam que todo amor tinha que ser desse jeito. (...)

Preciosa
(...) Tamanho o furor e a ânsia da entrega que não deu tempo de perceber direito o que estava acontecendo. O brilho e a beleza de uma joia servem para ser admirados. Quando, porém, ofuscarem a visão ou não mais atraírem a admiração, é preciso discernir se é a joia que não é assim tão valiosa ou se são os olhos que não sabem apreciá-la adequadamente. (...)

Ainda uma vez
(...) Serenidade pode ser qualquer coisa que se queira desde que aconteça num quintal, sob o sol de um inverno que não quer vingar de jeito nenhum. Londres não é tão longe assim e deve ter invernos bem mais rigorosos. Talvez seja uma cidade fria e austera desde muito antes do sol se pôr. E certamente nunca será tão bela como um quintal ao sol, em qualquer outra estação. (...)

Destinos
(...) No último encontro cada um tomou um rumo diferente. Ele talvez fosse conhecer Machupichu ou passasse uns dias em Londres. Não deixou bem claro o destino, muito menos o depois. Ela voltou para casa com um vazio imenso. Seu corpo ainda queimava pela intensidade desses dias tão velozes. No coração uma ponta de amargura e incerteza. Nas madrugadas seguintes ela singrou novamente os mesmos mares de sua solidão. Buscou outra vez a luz que julgara ter sido um porto seguro. Não mais. Esperou e vagou completamente à deriva. Nada mais no horizonte de sua angústia sem brisa. (...)

Fugaz
(...) Nem tudo aquilo que tua mão já tocou te pertence, assim como não te pertencem tantas coisas que teus olhos já viram. A posse não é apenas uma consequência do desejo, pois vai muito além do esforço da conquista e somente se esta for bem sucedida. Tudo o mais que nossos sentidos apreciarem e desejarem possuir poderá ser apenas efêmero e fugaz. E ainda assim poderá valer a pena. (...)

Acabou que a lágrima caiu
(...) Ela tinha nos olhos uma lágrima parada de muito tempo, coisa de tristeza que não quer desabar de jeito nenhum. Mas tudo ficou mais ou menos resolvido no dia em que ela se convenceu de que o jeito de ser do amor era aquele mesmo, de ser e não ser de uma vez só, de querer com volúpia e rejeitar, de ter e não ter, tudo ao mesmo tempo. Quando entendeu essas coisas, a lágrima que ela tinha parada no canto dos olhos há tanto tempo deslizou pela face e foi pingar no chão, bem a seus pés, submissa. Desse dia em diante ela aprendeu a chorar direito. (...)
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Publicado nos Anais  e apresentado no
XXIV Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES
11 a 13 de outubro de 2012 - Curitiba - PR

Publicado na coletânea 'ENTRELAÇADOS" -  PerSe Editora - SP - 2017
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